Revista ENFIC

Revista do Encontro Nacional
e Internacional de Filosofia Clínica

Ir ao mundo do outro é às vezes um convite, às vezes um desafio – Entrevista com o professor Lúcio Packter

IR AO MUNDO DO OUTRO É ÀS VEZES UM CONVITE, ÀS VEZES UM DESAFIO.

Entrevista com o professor Lúcio Packter
Por Márcio José A. da Silva

A alteridade é o tema central deste nosso XXIV Encontro Nacional; mas, como é esse “ir ao mundo do outro”? Para tentar compreender esse conceito e sua relação com a Filosofia Clínica, conversamos com o professor Lúcio Packter, sistematizador desta terapêutica existencial. A entrevista foi realizada pelo professor Márcio José, vice-presidente da ANFIC e editor da Revista Partilhas (IMFIC).

  1. A proposta de alteridade, elaborada por Martin Buber e Emmanuel Lévinas, tende a ser universalista, ou seja, uma resposta deles para as questões que encontraram na leitura que fizeram da humanidade. A Filosofia Clínica chama para si a Singularidade; o outro é singular. Como se dá esse antagonismo? Mesmo sabendo que a busca por uma resposta sua tende a universalizar.

Resposta:

Na Filosofia Clínica, a alteridade abrange alguns capítulos importantes na historicidade de algumas pessoas. Nem sempre está presente e nem sempre ela vai funcionar conforme Buber aponta, conforme Lévinas aponta em seus trabalhos, seja em Totalidade e Infinito ou em Eu e Tu, de Buber.

Uma vez considerada a historicidade dessa pessoa, a maneira como ela estruturou-se, a maneira como ela vivencia as suas questões no mundo; o mundo nela. E nem sempre essas diferenciações são simples e fáceis de fazer, pois, há muitos amálgamas, há muitas composições. E a própria alteridade não funciona de uma maneira linear; isso em se tratando de uma única pessoa.

O fenômeno que se expande, recolhe, associa-se, deriva, por vezes desaparece, por vezes ele encontra áreas nas quais ele apenas é alinhavado, sugerido. E ainda assim, nós observamos, como nas relações que ele estabelece dentro de cada pessoa, e dela com os outros que estão com ela. Se esses outros fatos serão finitamente outros ou se estamos tratando de outros episódios.

Então, nesse sentido, a clínica nos dá um aporte, uma compreensão profunda de alguns desses fenômenos; e às vezes, somente coloca-se diante das dificuldades, do desafio de presenciar um fenômeno que nem sempre pode ser descrito. O próprio Lévinas, inúmeras vezes, para uma mesma questão sobre a alteridade, precisa recorrer a vários caminhos ilustrativos, devido à dificuldade do tema. Ele lembra que a alteridade surge e avança a partir de um logicismo, a partir da própria linguagem. É um desafio.

  • Se entendermos a alteridade como “ir ao mundo do outro”, devemos compreender que a terapia em FC dá-se na e pela interseção; ou seja, nem no filosofo clínico, nem no partilhante, e sendo cartesiano, ela se dá por meio de princípios de verdade? É possível ir realmente ao mundo do outro?

Resposta:

Veja, ir ao mundo do outro, pelo menos quanto aos critérios e aos elementos que nós estudamos em Filosofia Clínica, não é uma promessa; não é uma certeza. Algumas vezes é um convite; outras vezes é um desafio. Estamos diante de um dos elementos cuja complexidade propõe esse desafio. Algumas vezes, o próprio empenho de ir ao mundo do outro faz com que todo fenômeno fique restrito a esta tentativa, que, para muitos, já é um endereço existencial bastante intrigante; e que, portanto, exige desenvolvimentos, caminhos. São muitos os que não conseguem ultrapassar a tentativa; mas, pela própria natureza da alteridade. Isso não quer dizer que a tentativa e a não consecução do próprio fenômeno fiquem aquém daquilo que pode ocorrer, como se fosse algo menor ou algo periférico. Não. Por vezes, essa tentativa pode ser maior para determinada pessoa do que seria se ela de fato conseguisse ir àquele mundo do outro. Há muitos exemplos disso. Registraram-se, durante a Segunda Guerra Mundial, muitos desses elementos, bem documentados, de soldados, de povos que tentaram fazer essa jornada de humanização. Mas, devido à violência, a temperança, e em função da flutuação da base categorial naquele momento, o melhor que conseguiram foi essa aproximação. E, considerando-se a base categorial da época, isso propiciou um grande avanço.

Então, veja que não é o elemento da alteridade, pelo menos na clínica, não é algo que, como uma fita métrica, nós saberemos dizer o quanto a pessoa foi, o quanto ela conseguiu. E se o fato de ter chegado a algum lugar acarreta  uma conquista de fato. Quantas pessoas, nesse sentido, ao fazerem a alteridade, estão se esquivando? Estão fugindo? Há um fenômeno que, por vezes, é um encontro com elas mesmas; e que não pode ser feito, em muitas ocasiões, o encontro com outro. Isto é um elemento dilemático; pois, a verdadeira alteridade, para alguns, não é aplicada para o outro; estará com elas mesmas. Pode parecer um paradoxo. Ora, mas, se agora é com ela mesma, como afirmar que é uma alteridade? É que o fato de ser com ela mesma implica, por vezes, em dimensões, quando eu tomo o ser humano como uma unidade fechada, e o outro como outra unidade fechada lá fora, a alteridade torna-se um processo mecânico. Não obstante, muitas vezes, tudo o que há no outro será encontrado naquele que procura por aquele outro. E neste sentido, enquanto mergulha em si mesmo, ele acha esse elemento enquanto o outro perde tal elemento. No entanto, um discurso dessa natureza pode ser instrumentalizado para questões egoísticas e nocivas, numa época tão polêmica quanto a nossa. Portanto, sempre é importante observar como isso se passa dentro de uma base categorial; dentro de uma historicidade, e dentro das interseções de Estruturas de Pensamentos. Então, teremos uma chance melhor de compreensão.

  • A língua é nossa identidade, nossa pátria. Muitas “guerras” dão-se entre irmãos. Nosso tempo é uma prova disso; tanto aqui no Brasil, como no mundo. Como possibilitar o Diálogo como fala autêntica entre duas pessoas? Uma abertura entre ambas? Se nossa educação é altamente inversiva.

Resposta:

Esses autores (Lévinas e Martin Buber) ─ e podemos somar a eles Maurice Merleau-Ponty, Henri Bergson e vários outros estudiosos ─; veja, esses homens, no contexto deles, respondiam a um problema de uma época ─ e, em questão de décadas, houve todo o epicentro europeu nessa consideração filosófica. E o problema de uma época que diz respeito, entre outras coisas, à diluição de um eu que era um processo rochoso, e em forma de ilha, a partir do Renascimento; e que fora longe demais; fazendo com que a linguagem se tornasse vazia, a língua se tornasse vazia; as pontes se tornassem verdadeiros abismos; e apenas conservavam o nome de pontes. Esses homens tomaram para si uma corajosa missão; algo que era um desafio tremendo: trabalhar a questão de ir de fato a esse mundo do outro.

E junto com eles, nós encontramos nas terapêuticas todo um exercício nesse sentido, que vai desde a psicanálise freudiana à fenomenologia. Que vai desde os processos de laboratório, em Kurt Koffka, até a Gestalt do Perls. Quer dizer, nós temos uma gama imensa de pesquisadores; pelo fato de que nós precisávamos ir além daquilo que se estabeleceu, e que estava sufocando a humanidade. Isso foi o desafio de uma época. Hoje, esse desafio continua em grande parte, em muitos lugares; mas, a eles somam-se outros desafios; por exemplo ─ o que seria pouco considerado por esses autores que eu citei, mas que hoje retorna ─:  o exercício do silêncio, e o exercício hermenêutico do monólogo.

Nessa busca de uma conversação, nessa busca de uma alteridade, muitos levaram isso de tal maneira que acabaram esvaziando partes importantes deles mesmos. Isso traduziu-se, em muitos casos, pela falta, que foi rapidamente industrializado por uma sociedade ávida; tanto a socialista quanto a capitalista. Nós vimos, por exemplo, ilustrações disso em Adorno, em Walter Benjamin, que nos colocam essas questões, levando a um esvaziamento da cultura.

A manipulação do processo identitário em torno da cultura; a manipulação das tradições, e outros elementos que foram coisificados; muito disso foi feito lá naquela esteira dessa tentativa de ir ao outro, que se tornou uma pseudo-tentativa; arruinando, em muitos casos, um processo legítimo; e também atingindo indiretamente este elemento que ainda permanecia, o monólogo, que é a relação do silêncio, a relação de uma escuta; não tanto para o outro, mas para si mesmo. E, em função dessa complexidade de coisas que aconteceram, isto passou a ser parte de elementos de alteridade. Alguns, quando falam em alteridades, esquecem que esse ir ao outro é um esclarecimento em si mesmo. É um movimento de passagem, no qual há um reconhecimento em si mesmo, e um reconhecimento desse outro. Para isso, a relação da pessoa com ela mesma tornou-se, de novo, um elemento pontual importante. As publicações hoje mostram muito isso: esse conhecer-se, esse exercício socrático, que retorna agora, revestido de muitas melhorias, muitos caminhos que, antes, nós sequer podíamos considerar.

  • Lúcio, você teve uma tarefa hercúlea ao criar, sistematizar e divulgar a Filosofia Clínica. Como nós filósofas e filósofos clínicos podemos ir ao mundo do Lúcio e promover a Filosofia Clínica daqui para frente? E mais: como você vê colegas que, atendendo, e sabendo que cada partilhante é único, e cada atendimento proporciona uma forma de Filosofia Clínica, como você vê essa possibilidade de miríades de Filosofias Clínicas?

Resposta:

É, de fato, são outros tempos, certo? Hoje temos um aporte de muitos elementos importantes. A tarefa que começou lá atrás com um estudante, um garoto que acreditava muito, sonhava com isso, e buscava por isso. É muito interessante a trajetória. No início, eu achava que o caminho, qualquer que fosse ele, não poderia prescindir do estudo, do conhecimento profundo, de tradições, de filósofos; e a conversação disso com as questões pessoais de cada um, de cada povo, de cada elemento. Mas, via que a natureza, a envergadura desse trabalho era muito ampla; ainda é muito ampla. Parece caminhar para horizontes cada vez maiores e maiores. Algumas pessoas hoje, diante dessas facilidades que temos de ‘inteligências artificiais’, culturas enciclopédicas instantâneas que se formam, uma aparente sabedoria. Acho que isso facilita o nosso trabalho. Sim, em alguns itens isso facilita; em muito, isso apenas distrai, e faz trazer a urgência da vivência desses elementos; um aprofundamento desses elementos.

Destas questões, eu acho que, cada vez que nós estamos diante de uma pessoa, ali a Filosofia Clínica recomeça. Recomeça como um bebê, para o mundo, para a vida, para a existência. Cada vez que estamos diante de uma pessoa, esse processo reinicia, e vai mostrando-nos, cada vez mais, aqueles pressupostos com os quais já estamos tão acostumados; cada mundo, cada universo, cada situação, as interseções… Nossa! Há um mosaico de beleza, de grandeza. Uma analogia parece fazer eco: essas milhares de estrelas, bilhões de estrelas pelo universo.

Particularmente  eu vejo, como via no passado, salvo algumas exceções. Aliás, vejo hoje como um elemento muito promissor. Acredito muito que possamos ter uma oportunidade muito bonita e rara em nossos dias; temos a chance de tocar as estrelas; mas, infelizmente, também de destruí-las. E, considerando a pulverização de tantas ideias, tantas forças, tantos caminhos, e a maneira como alguns tratam disso, inviabilizando recursos de outros, inviabilizando estradas de outros, algumas vezes podemos até transformar a própria estrada. Mas, no entanto, outros tantos sabendo, por amorosidade, por compreensão, por aprofundamento, chegaram mais longe com tudo isso. Estamos diante desses dilemas hoje; dessa incerteza, desses caminhos que se cruzam. E acho muito importante trabalhar; trabalhar com carinho, com amor, com profundidade; buscando fazer o que é possível hoje, diante de tantas dificuldades. O mundo hoje pede por esses elementos; pede por outros também, alguns ao nosso alcance, outros que precisamos cuidar para, talvez, num futuro próximo, ter.

  • Como lidar com o diferente, o extremamente oposto a mim? Diante do conflito, por vezes é necessário dialogar para aceitar este conflito, sem colocar panos quentes, para que possamos evoluir?

Resposta:

Concordo. Há muitas dificuldades aqui. Muitas dificuldades e muitos caminhos. Eu acho que hoje é muito importante conversar com várias escolas. Não me refiro a escolas terapêuticas, escolas como a escola física, a escola biológica – que agora tem conhecido um crescimento inédito – a escola matemática. Acho importante que nós tenhamos esse espaço de diálogo com esses amigos; colegas que estão trabalhando nessas áreas.

De uma maneira muito peculiar, todas essas escolas começam a se aproximar; começam a mostrar problemas similares das suas várias áreas. Isso, de certa maneira, é um elogio; e, de outro lado, uma crítica curiosa: a maneira como essas coisas estão surgindo. Mas, o fato é que, desde o início do século passado, quando aqueles meninos da Alemanha, e lá no norte da Europa, na Escandinávia, depararam-se com o fenômeno, que para eles era estarrecedor na física, de lá para frente, o mundo havia começado a mudar tão veloz, tão rápido, que nenhum de nós imaginava ser possível.

Hoje, um dos nossos desafios é o fato de que, ao publicar-se uma obra, ela já sai envelhecida no papel; já se apresenta pedindo revisões. Acabou o tempo dos manuais, dos compêndios; nós não temos mais como fazer isso. Não há mais a dimensão que havia. No entanto, nós precisamos da pesquisa. Como fazer então? A pesquisa que é feita e atualizada no próprio processo dela. Numa atividade como a clínica, isso chama a determinadas responsabilidades muito grandes. E nós estamos diante desses fatores; estamos diante de outros fatores também. Há uma discussão imensa sobre a própria identidade do ser humano. Sobre essa finitude, essa primogenitura em relação a Deus; e outros elementos, que agora começam a entrar em pauta, e que não eram partes dessa estrada.

A estrada apontava para outros caminhos, bem diferente desses. E agora, nós estamos diante de tudo isso. O quanto humano é algo; e o quanto não é? Qual é a participação do espírito em determinados eventos, e se isso é desta forma? São questões muito, muito profundas; e que, para conseguirmos nos aproximar mais delas, isso pede um grande, grande diálogo com muitas escolas, com muitos pensamentos, de muitos modos, épocas, seres. Não vai terminar, porque, provavelmente, os desdobramentos dessas questões vão ao infinito.

Então, numa época como a nossa, estamos agora diante desses elementos, que fazem essas diluições. Então, entre as questões muito pontuais em torno disso; aquelas que são, e outras não são tão pontuais. Nós temos elementos como a identidade da própria humanidade, do ser humano. Além dessa identidade, o que é de fato um ser humano? Como ele se constitui? Qual é o seu lugar no caminho das coisas? Outro elemento que nós temos aqui é: como lidar com criaturas? Com elementos existenciais que agora parecem ocupar o espaço da discussão: do existir, do não existir, do ser, da alma?

Ainda, um elemento extra muito pontual, que temos na nossa época, é a caminhada da humanidade. Alguns já não se apressam a anunciar seu fim. Talvez nós não estejamos diante do fim; mas, de um nascimento. Exatamente no qual, ao contrário, precisamos verificar; porque, nenhuma dessas respostas agora será orgânica, no sentido de “é sim”, e excluindo outros. Não pode ser assim, pode também estar ligada a outros.

Esses são alguns dos desafios da nossa época, do nosso tempo. De um homem que se distraíra do seu caminho. Estivera muito ocupado fazendo coisas: processos artesanais da indústria; processos artesanais dos registros de bem-estar social; de outras coisas. Esse homem distraiu-se. E agora, à medida que acorda, terá que lidar com muitas dessas situações; do que acontecera, e de outros elementos mais.

  • Paulo Freire realiza um movimento bonito ao criar seu método de alfabetização. Ele busca compreender a linguagem do outro; o que vem facilitar seu objetivo de ensinar. Há influência de pensadores latino-americanos na formulação da FC?

Resposta:

Sim, existe muito forte. A questão é que quando eu havia apresentado a Filosofia Clínica, para quem eu estava apresentando naquele momento? Era para filósofos. Nós, dentro de um contexto, em uma época específica e, na minha opinião, naquele momento, eu precisava ser tão singelo, tão simples, e tão pragmático quanto pudesse ser; para que aquele discurso, naquele contexto, pudesse ser entendido. De lá para cá, eu fui mudando muito a minha opinião sobre isso. Mas, em um certo sentido eu, provavelmente, teria feito de uma forma muito similar hoje. Estou usando algumas facilidades no entendimento em termos disso, e criamos também muitas dúvidas.

Hoje, claro, com recursos e tantos colegas, a apresentação seria muito melhor. Nesse sentido, nós vivíamos uma filosofia que olhava para a Europa para considerar-se filosófica. Lá era o lugar do discurso filosófico. Então, procurei privilegiar autores que a academia já tinha como conversação mais usual. Mas esses autores que você citou, e vários outros, fazem parte do próprio DNA da Filosofia Clínica. Olha, você citou Paulo Freire; coloque junto Rubem Alves, que também tem um grande parentesco com o trabalho da Filosofia Clínica. Darcy Ribeiro, Guimarães Rosa… a lista é imensa! Se caminharmos pela América Latina, encontraremos Borges na Argentina; vamos encontrar vários autores uruguaios, com os quais já trabalhei em oficinas; chilenos como Dussel (sic!); e muitos outros filósofos, pensadores que caminhavam para ideias que são muito familiares à Filosofia Clínica.

Esse elemento de estar com outro, ser com o outro, aprofundar-se com o outro, o discurso da fraternidade, da amorosidade; de fato da composição do mundo com tantos; isso não é algo somente da Filosofia Clínica. Encontra eco em todos aqueles pensadores dos anos 1970, 1980, 1990… Que tinham essa aptidão, essa intuição. No entanto, muito disso perdeu-se por conta das questões políticas para todos os lados. Houve uma forte inclinação à esquerda naquele momento, muito forte. Essa inclinação à esquerda, por conta de uma balança que estava bastante contaminada por uma série de questões, era uma resposta de uma época.

Depois tivemos vários problemas, que aquela geração de pensadores vivera de perto; o que foram as ditaduras; o quanto elas alcançaram no sentido de não permitir o desenvolvimento, de fato, das pessoas. E, de certa maneira, aquela resposta política acabou ecoando muito para essas pesquisas. Não foi só isso; não foi só questão política. Também tínhamos as desigualdades sociais, que eram gritantes; e ainda são muito acentuadas. Não era uma época em que os nossos estudiosos, pesquisadores, iam para a Europa, como fazem hoje com tanta facilidade. Mas, os que iam, voltavam para casa muito atingidos por todo esse contraste, que era duro, que era cruel. Alguém ia visitar um país irmão europeu e voltar para casa; e, no seu país, reencontrava a miséria, a fome, a clausura, a brutalidade e, algumas vezes, não apenas como contraste, mas intimamente ligada à riqueza de uns ao sucesso de outros. E, para alguns, é bem interessante que se continuasse naquele estado de coisas; isso tudo inevitavelmente passou a fazer parte dos discursos nesses principais intelectuais.

Não tinha como não fazer. Para alguns, em alguns casos, isso foi tão longe que acabou derivando num discurso puramente político; para outros não, como Rubem Alves. Ele consegue esparramar isso com o horizonte muito bonito. Paulo Freire também, que você citou; é outro que faz isso. Mas não são muitos. Nesse contexto, a Filosofia Clínica era… na época eu falava sobre isso nas minhas conferências e palestras pelo país; eu dizia: A filosofia clínica é um fenômeno genuinamente latino-americano, e mais pontualmente brasileiro. Dizia muito isso. Dizia que acreditava numa filosofia nossa, daqui, com as nossas raízes. Isso é muito curioso, porque a pessoa que estava dizendo isso era a mesma que usava os filósofos europeus na sua fundamentação. O que causava uma série de problemas e paradoxos. E como se explica tal coisa? Mas isso era fruto de uma época que ainda teve seus ecos para os nossos dias. Muitos dos nossos intelectuais e pensadores hoje são fortemente imbuídos de todas aquelas inspirações lá da maioria dos nossos pensadores latino-americanos. Que são muitos, certo? Nós temos a literatura do Caribe, a filosofia do Caribe, Vargas Llosa, Gabriel García Márquez; se caminharmos em direção ao México, nós encontramos autores formidáveis como Rulfo. E outros que nos ajudaram a pensar o Brasil por todos os lados. Indo para Amazônia, chega-se a esses rincões infinitos da nossa geografia; e encontramos esses autores que contém vários graus de parentesco com o trabalho que fazemos.

Obrigado, Lúcio, pelo diálogo!

Eu é que agradeço; e espero que eu tenha atendido a expectativa. Um abraço grande para vocês!

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