Revista ENFIC

Revista do Encontro Nacional
e Internacional de Filosofia Clínica

Prática Clínica

Prática Clínica

Cláudio Fernandes
Filósofo Clínico – Recanto da Filosofia Clínica

Quanto tempo dura uma clínica?  Na minha experiência, de 1 hora a mais de 700 horas. Marina, numa única consulta de 1 hora, ao me contar o assunto que a vinha afligindo nos últimos 15 anos, reordenou as coisas em seu espírito a ponto de, em suas palavras, “ao falar com você, de repente, me senti livre e à vontade para viver a minha vida de um modo que eu nunca imaginei possível”. Já Ronaldo tem desdobrado seus assuntos nos últimos 12 anos. De tempos em tempos surge com questões inéditas em sua vida, com um frescor inimaginável. Foram inúmeras as reviravoltas autogênicas nas várias dimensões existenciais que habita, desfazendo qualquer ilusão de sistematização que eu poderia ter.  

Cada experiência clínica é sempre singular, se dá caso a caso, há um outro ali e um outro do outro aqui.  E duração, não custa lembrar, é precisamente esse tempo entre o início e o término de algo. Como alguém, no mundo humano, pode se arvorar um saber prévio ao tempo a ser vivido numa relação da qual não faz nem fará parte, que se dará entre um e outro, de forma inédita e singular?

Quanto dura cada consulta? Uso o habitual 60 minutos mas, levo em conta o modo como esse outro vive o tempo nas consultas e como eu – esse outro do outro – organizo meus horários. Procuro adaptar a duração ao modo como o outro vive o tempo na clínica. Tem quem em 10, 15 minutos consegue trazer o que lhe importa; outros, “só pegam” depois de 40, 50 minutos. Meu hábito é ir acertando aos poucos, às vezes estendendo alguns minutos.Cada um no seu tempo; há aquela pessoa em que a rigidez de horário é importante; outras vivem melhor com certa flutuação; às vezes proponho mudanças, avaliando caso a caso. Essa é uma solução pessoal, possível porque estabeleci, para mim, um intervalo de 30 minutos entre as sessões.  

Qual é o momento oportuno para uma decisão existencial?. “Doutor, não aguento mais minha ansiedade”; “minha vida tá um tédio…”; “a vida é um absurdo, quero pular fora”; “tenho muito medo de morrer”; “quero mesmo é aproveitar o que me resta de vida”; “quando entro naquele lugar parece q o tempo para”; “o que passou passou, só me interessa o futuro”; “ele não vê que o tempo é aqui e agora”; “sou uma procrastinadora profissional. Em cada  clínica se estabelece uma intercessão própria e única, surgem acontecimentos inéditos, apropriados e desdobrados pelo outro em seu tempo próprio.

Uma clínica para se aproximar de uma pessoa em seu elemento singular e conjuntural – vale dizer: em sua alteridade – exige um pensar simultaneamente vivo, rigoroso, não pastoral e permeável ao transitório. Ao modo próprio de cada um viver o tempo. Aqui, nós filósofos clínicos, temos um belo desafio.  

“Tempo do outro e do outro do outro na prática clínica”

Cláudio Fernandes
Recanto da Filosofia Clínica – membro fundador; clínico didata, supervisor clínico
Instituto Packter – filósofo clínico
FFLCH Universidade de São Paulo – bacharel em filosofia
ANFIC Comissão de Assuntos Acadêmicos – membro 

São Paulo, julho 2023

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